Edição 736
60 anos de Rancho das Lavradeiras da Trofa – “Conseguimos fazer do nosso Rancho um museu vivo”
Fosse este um ano normal e seria de festa para o Rancho das Lavradeiras da Trofa. Este ativo cultural, fundado por Maria Augusta Reis, assinala 60 anos de existência a 2 de março. A pandemia obrigou a suspender as comemorações e todo o plano de atividades, num “vazio” que se estende desde março do ano passado. Em entrevista ao NT, o atual presidente do Rancho, Luís Ferreira, falou dos momentos que marcam a história desta associação e da forma como considera que os grupos folclóricos deviam ser considerados no panorama cultural local e nacional.
O Notícias da Trofa: O Rancho das Lavradeiras comemora 60 anos num ano fortemente condicionado pela pandemia. A direção chegou a idealizar algum programa comemorativo?
Luís Ferreira (LF): Sim, a partir do dia 2 de março de 2021 iniciávamos um programa comemorativo que consistia numa cerimónia religiosa e, no dia 7 de março, na apresentação do festival de folclore integrado na Feira de Março. Este programa comemorativo contava com diversas iniciativas mensais e prolongava-se até ao 5 de março de 2022.
NT: De que forma a pandemia condicionou o plano de atividades do Rancho neste último ano? O que ficou por fazer e o que foi possível executar?
LF: Esta pandemia condicionou todo um plano de atividades no ano de 2020 e 2021, visto que suspendemos as nossas atividades no dia 13 de março de 2020 e, nesta altura, ainda não sabemos quando as reatamos. Em 2020, desde janeiro até à suspensão, fizemos os cantares de janeiras (porta a porta), organizamos o nosso encontro de cantares de janeiras e participamos em três atuações, uma das quais em Sernancelhe. A partir da data em que suspendemos as atividades por ordem da Direção-Geral da Saúde, contactamos todos grupos com os quais tínhamos firmado contratos de atuações de forma a que estas pudessem ser adiadas para o ano seguinte.
O nosso plano de atividades para 2020 era muito rico, com atuações em diversos festivais e como é habitual a organização do “Lavradeiras 2020”, da Noite de tradições e dos cantares de janeiras, que encerravam o ano.
NT: E depois da pandemia, como projeta o regresso à “normalidade”? Será difícil para os ranchos retomarem a sua atividade como até ao surgimento da Covid-19?
LF: Pelo contacto que mantemos com os elementos, percebemos que todos estão com saudades e querem regressar rapidamente. O regresso será diferente? Eu penso que no primeiro ano sim, mas depois tudo voltará à normalidade. Sobre a retoma dos trabalhos para os ranchos em geral, nesta altura tenho informações de que há grupos em grande dificuldade, um dos quais tenho conhecimento que já fechou as portas e não voltará à atividade.
NT: Os ranchos folclóricos são ativos fundamentais para preservar a memórias coletiva de uma comunidade. Em que posição se coloca o Rancho das Lavradeiras neste contributo para manter “vivo” o passado da Trofa e o caminho trilhado para o que os trofenses são hoje?
LF: O nosso contributo parece-me muito importante, temos muito cuidado com o que apresentamos, por isso tivemos ao longo dos anos de fazer recolhas junto dos mais idosos, consultando alguns escritos, concretamente, de Alcino Rodrigues e de Alberto Pimentel e a junção destes dois trabalhos fazem de nós um Rancho com conhecimento e capacidade de se afirmar como um museu vivo e através do nosso trajar ser visível as classes sociais do antigamente.
NT: Quais foram as principais conquistas do Rancho das Lavradeiras ao longo destes 60 anos?
LF: São seis décadas de trabalho ininterrupto de muita gente que esteve e está ligada às Lavradeiras da Trofa. Olhamos para trás e percebemos que temos um objetivo em comum, o amor a esta causa e através destes valores conseguimos o nosso espaço no panorama do folclore português, conseguimos o respeito pelo nosso trabalho, um trabalho fiel quanto possível aos nossos antepassados. Em 1982, conquistamos o direito de associação totalmente legalizada, com estatutos e contribuinte. Nos finais dos anos 90, as Lavradeiras da Trofa entenderam que tinham que ultrapassar mais uma barreira que passava por colocar em palco as vivências da nossa terra, porque estas não passavam só pela dança. Foi nessa altura que começamos a apresentar os quadros da espadela, da desfolhada, da queima do galheiro, o serão, a cortiçada, a romaria e o lazer. Quando estes trabalhos começaram a ser apresentados em palco, surgiram algumas críticas, mas nós sabíamos que era este o caminho a seguir. Conquistamos a presença nos maiores e melhores festivais no nosso País e ilhas, conquistamos a internacionalização das Lavradeiras da Trofa, com passagem por Espanha, mais que uma vez, assim como por França, Itália e Brasil.
NT: Quando viveu o Rancho das Lavradeiras os momentos mais difíceis e o que motivou essas “pedras no caminho”?
LF: Ao longo de 60 anos de existência sem qualquer interrupção, também tivemos momentos difíceis e eu recordo os tempos em que se prestava o serviço militar obrigatório, com passagem pelo Ultramar. Foram tempos difíceis, pela insegurança do número de elementos presentes. Recordo que, em meados dos anos 70, surgiu um desses momentos de maior dificuldade com a saída de muitos elementos do grupo, por incompatibilidade, mas com muito trabalho e num espaço curto de tempo o grupo recrutou novos elementos, ensaiou e, quando surgiram as atuações, já o grupo estava pronto para dignificar a etnografia, a cultura e o folclore da nossa região. Em 1982/83, recordo a crise diretiva pelo qual o grupo passou. Nesta altura o que me parece mais importante é recordar os momentos bons que o grupo proporcionou a tantas plateias que nos aplaudem na atuação e que nós e os nossos elementos não esquecem nem esquecerão.
NT: Alimentou-se a ideia de que a juventude já não se identificava com projetos culturais como os ranchos. Como é, de facto, a realidade? Em que ponto está a capacidade de os ranchos garantirem o seu futuro?
LF: É uma realidade, a juventude ou uma grande parte dos jovens não se identifica com os ranchos de folclore, só com muito trabalho é que podemos inverter esta situação. Esse trabalho passa pela viragem para o exterior das nossas associações, abrindo as nossas portas à comunidade, dar-lhe a conhecer a riqueza da nossa história, levar a cultura popular da nossa região às escolas e passar a mensagem de que uma grande parte dos ranchos de folclore fazem um trabalho sério e que são fundamentais para a divulgação histórica de qualquer território.
NT: O que ainda falta fazer no Rancho das Lavradeiras da Trofa?
LF: Temos muito para fazer. Começaria por mencionar o facto de dar continuidade a muitos trabalhos que temos vindo a apresentar, só assim nos vamos manter no primeiro patamar do folclore português. Os quadros que apresentamos nas nossas atuações, fazer uma junção e apresentar sequencialmente num espetáculo único. Voltar a sair do país levar a nossa cultura além-fronteiras.
NT: Na sua opinião, como são consideradas estas associações culturais pelos representantes políticos e comunidade em geral?
LF: Tenho alguma dificuldade em medir a consideração que os representantes políticos têm acerca das associações culturais e, concretamente, dos ranchos folclóricos. Quando, em diversos locais, se devia debater política e ouvem-se senhores e senhoras doutores dizerem “isso é folclore”, percebe-se bem o valor que atribuem e o respeito que têm pelo folclore e pelo trabalho e dedicação de milhares de homens e mulheres a esta causa.
Senão, vejamos. Drª. Gabriela Canavilhas, Drª. Teresa Morais, Dr. João Soares, Dr. Luís Filipe Mendes e Drª. Graça Fonseca. Lembram-se destes nomes? Na última década, foram os ministros da Cultura e eu só me recordo da Drª. Graça Fonseca por se ter reunido com a Federação de Folclore Português nesta altura de pandemia e disponibilizar um programa de apoio às associações. Penso que vamos continuar a ser o parente pobre da cultura portuguesa. Pela importância que temos no panorama cultural e por levarmos tão longe levamos a cultura da nossa terra, deveríamos ser considerados de forma diferente.
NT: A nível concelhio, o que acha que podia ser feito para relevar o papel dos ranchos folclóricos e etnográficos, património que a Trofa mantém com alguma representatividade?
LF: Eu só posso falar pelas Lavradeiras da Trofa e, em primeiro lugar, devo realçar o facto de a Câmara Municipal e Junta de Freguesia nos apoiarem financeiramente com valores, em nossa opinião, que podiam ser superiores, pela importância que temos no panorama cultural, por conseguirmos levar longe a cultura da nossa terra e pela qualidade que nos é atribuída pelos diversos palcos que passamos.
O museu na Trofa há tanto tempo o esperamos, porque será mais uma valência que servirá para alavancar a nossa cultura e que permitirá, com as visitas, albergar mais interessados no conhecimento e promover uma maior proximidade com os grupos de folclore.
Os autarcas em nossa opinião poderiam criar programas turísticos ou culturais onde pudéssemos ser integrados. Criar permutas turísticas e culturais com outros Municípios de forma a que pudéssemos ser um ativo.
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