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Edição 544

Crónica: Donas de casa desesperadas? Não, bem resolvidas

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De chinelos, avental e a cheirar a comida. Este é um dos estereótipos associados às donas de casa. Mas a realidade está longe de ser tão redutora e o NT comprovou-o com a entrevista a três mulheres que optaram por viver para a família e não ter atividade profissional.

“Não me chames doméstica”. Esta foi uma das “exigências” feitas por Evangelina, quando a desafiei a uma entrevista sobre a opção de vida de ser dona de casa. Esta abordagem fez-me perceber que o dogma sobre este modo de vida ainda está bem patente na sociedade. Estava dado o ponto de partida para o objetivo de perceber que motivações, desafios e vantagens existem por viver para a família, prescindindo de uma atividade profissional.
Evangelina aceitou sem reservas, assim como Susana e Marília. A entrevista decorreu num café, em formato conversa e num ambiente descontraído. Quando chego, já Susana, Evangelina e Marília tinham tomado café e iniciado o tema.

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Percebo que falam da falta de reconhecimento do Estado para estabelecer o estatuto de dona de casa. Susana lança uma “acha para a fogueira”: “Na Noruega e na Dinamarca, está em cima da mesa a criação de estatuto de dona de casa, com ordenado e respetivos descontos. Por que é que aqui não fazem o mesmo? Nós não temos nenhuma garantia de futuro a esse nível”.

Mas a marginalização começa na sociedade e na instituição do Dia da Dona de Casa. Evangelina defende que “quando esse dia deixar de existir, as donas de casa começam a ser valorizadas”. E o mesmo defende para o Dia da Mulher. “Esses dias só servem para perpetuar a discriminação e a diferença”, argumenta.

Há um episódio que Evangelina recorda e que envolveu a filha mais nova: “Um dia, ela chegou a casa da escola e perguntou-me por que é que todas as mães tinham um trabalho e eu não e que tinha vergonha de dizer que eu estava em casa. Eu fi-la ver que não devia ter vergonha, mas sim orgulho”. Marília concorda e complementa: “Exatamente, é que os nossos filhos tiveram-nos mais disponíveis e a acompanhá-los a todo o momento”.

Já Susana aborda o tema com os estereótipos. Causa-lhe “alergia” as frases feitas de que as donas de casa “não fazem nada” e por isso “férias” não é expressão que lhes assista. “Eu levanto-me às 6.45 horas e deito-me muitas vezes depois da meia-noite”, frisa. Já no que toca ao aspeto visual, também contesta: “Não, as donas de casa não andam todas de chinelo e avental. Está a ver-me agora? É assim que eu ando em casa. E lá em casa também há a regra de que os pijamas tiram-se mal se sai da cama”.

Marília é a que menos preocupada se mostra com a ideia que ainda prevalece na sociedade sobre as donas de casa. “A nível social não me sinto marginalizada, porque não valorizo. Na vida, tento reger-me por determinados valores que tenho e pela minha consciência e perante a sociedade onde estou inserida, considero-me uma pessoa válida”.
Mas não cabe às donas de casa contribuir para a desmistificação deste modo de vida? “Para mim, contribuir é não valorizar o mito que está instalado. Na minha condição, considero que estou a contribuir de forma construtiva para uma sociedade melhor, porque a família é um dos pilares da sociedade e eu vivo para a minha”, respondeu Marília.
As três mulheres apelidam-se “bombeiras” da família, que as convoca sempre que um imprevisto acontece. Disponibilidade é ponto assente nestas mulheres que, alertam, também precisam da atenção de quem gostam. “Às vezes, o meu marido e os meus filhos chegam a casa sem disposição quando eu até precisava de falar e desabafar”, conta Evangelina.

Desengane-se quem pensa que a televisão é a melhor amiga destas mulheres. Além dos noticiários, Susana, Marília e Evangelina rejeitam acompanhar novelas e preferem ter outras atividades paralelas. Susana pratica tai-chi, faz ginástica através de aulas em vídeo que encontra no Youtube e, recentemente, inscreveu-se num curso de alemão, uma vez que a filha mais velha foi estudar para o país germânico.

Já Evangelina adora ler e participar num concurso de enigmas dinamizado pelo jornal Público. “Ganhei tempo para ler e tornar-me numa pessoa mais culta”, afirma depois de 20 anos sem ocupação profissional, opção que tomou com o nascimento da segunda filha.

Os filhos foram aliás o motivo que levaram as três mulheres a abandonar as profissões e a dedicarem-se à família. Para a tomada de decisão, reconhecem que é essencial o apoio dos maridos e a estabilidade financeira, por isso, sentem-se “privilegiadas”.

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